Peter D. Santina: purificação

Foi dito uma vez que se tivéssemos que cobrir toda a superfície da Terra com couro para impedir que cortássemos nossos pés com pedras e galhos, a tarefa seria muito trabalhosa. Porém, se cobrirmos apenas a superfície dos nossos pés com couro, é como se toda a Terra estivesse coberta com couro. Da mesma forma, se tivéssemos que purificar todo universo da ganância, raiva e ignorância, essa seria uma tarefa muito difícil. Mas simplesmente purificando nossa própria mente de ganância, raiva e ignorância, é como se todo o universo estivesse purificado dessas máculas.

Peter D. Santina em Fundamentals of Buddhism

Foto: Jake Hills

Ajahn Candasiri: abrir mão de estar certo

Estar em paz envolve abrir mão ou abandonar a posição de estar certo. É um sacrifício real do ego, do senso de eu; e por conta da forma como fomos condicionados, o senso de eu é muito importante para nós. Mesmo que esse senso seja apenas uma ilusão, fazemos todo o possível para nos segurarmos à ideia do eu até o momento em que nos damos conta de quantos problemas ela causa a nós e aos outros.

Ajahn Candasir

Foto: Masaaki Komori

Ajahn Candasiri: o preço de amar

Conforme meus pais iam envelhecendo, eu me percebia temendo o dia em que eles morreriam. Eu não sabia como as pessoas faziam para lidar com esse tipo de perda; então eu me preocupava com o momento futuro em que eles morreriam. Entretanto, dei-me conta de que talvez eu empregasse meu tempo de forma mais útil aproveitando a nossa relação enquanto eles ainda estavam vivos, em vez de pensar o tempo todo no momento da nossa inevitável separação. Assim, acabei passando um tempo proveitoso com eles. Fiz questão de falar para eles coisas que eu julgava importantes, pois eu sabia que haveria um dia em que eu não poderia falar as mesmas coisas da mesma maneira. É claro, no dia em que o momento da sua morte chegou, eu experimentei muita dor. Ainda fico triste às vezes quando penso neles, e às vezes gostaria que eles ainda estivessem aqui – mas eles estavam ficando cada vez mais velhos e era a hora certa para que eles partissem. Eu não me incomodei com a dor; não sofri com ela. Havia apenas dor, e percebi que a dor era a consequência inevitável de amar alguém. É quase como, ao amar alguém, houvesse uma etiqueta com o preço presa a isso. Mas foi um preço que eu paguei de bom grado. Não era muito.

Ajahn Candasiri, em Simple Kindness

Foto: Priscilla Du Preez

Bhikkhu Bodhi: meditação na respiração

A meditação não requer nenhuma sofisticação intelectual, apenas atenção à respiração. Apenas se respira naturalmente pelo nariz, focando a atenção na respiração nas narinas ou no lábio superior, onde a sensação da respiração pode ser sentida conforme o ar entra e sair. Não se deve tentar controlar a respiração ou forçá-la a acontecer em ritmos predeterminados, e sim apenas contemplar conscientemente o processo natural de inspirar e expirar. Ficar atento à respiração corta através da complexidade do pensamento discursivo, nos resgata do errar sem rumo no labirinto de imaginações vãs e nos situa solidamente no presente. Pois quando estamos conscientes da respiração, realmente atentos a ela, podemos estar conscientes dela apenas no presente, nunca no passado ou no futuro.

Bhikkhu Bodhi

Foto: C Dustin

Chogyam Trungpa: compaixão verdadeira

A compaixão verdadeira não se expressa como “eu gostaria de fazer essa pessoa feliz por fazê-la se encaixar na minha ideia de felicidade”; em vez disso, se trata de perceber que a pessoa precisa de ajuda. Você se coloca à disposição daquela pessoa. Você apenas entra numa relação com aquela pessoa sem se preocupar onde isso vai levar. Essa é uma abordagem mais difícil e generosa do que seguir a sua expectativa de que a pessoa deveria conseguir isso ou aquilo.

Chogyam Trungpa

Foto: Alexey Demidov

Thich Nhat Hanh: rótulos

Guardamos esses rótulos em pequenas pilhas na mente, de onde os tiramos para colá-los nas coisas. É o que costumamos fazer. Gostamos de poder dizer: “Este é americano. Aquela pessoa é holandesa. Esta é mexicana”. Colocamos o rótulo como se soubéssemos o que queremos dizer com mexicano, americano ou holandês. Este é comunista, esse é republicano, aquele é capitalista. Na verdade, o rótulo não tem significado algum. “Esta é uma pessoa que eu amo, essa é uma pessoa que eu odeio.” Quando colocamos um rótulo, não conseguimos ver a pessoa. Se alguém te rotula como “terrorista”, talvez atire em ti. Mas se essa pessoa vê que tu és um ser humano que tem seu próprio sofrimento, que tem mulher e filhos para cuidar, ela não será capaz de atirar em ti. Só quando colocam um rótulo em ti é que podem dizer: “Tu és um terrorista; tua presença é desnecessária neste mundo; se tu não estivesses aqui, o mundo seria mais belo”. É tudo questão de por rótulos nas pessoas. E quando tu vês o verdadeiro ser humano, não podes mais atribuir rótulos. Só damos rótulos com o intuito de elogiar ou de destruir. Temos uma taleiga repleta de rótulos — não sabemos sequer de onde eles vieram. E quando os colamos nas pessoas, o que fazemos é isolar-nos delas, e depois não podemos saber quem elas são realmente.

Thich Nhat Hanh, em Nada fazer, não ir a lugar algum

Foto: Adrian Dascal

Ajahn Chah: ver os dois lados

Quando você experimenta a felicidade, você acha que só haverá felicidade. Sempre que você sofre, você acha que sempre sofrerá. Você não percebe que sempre que há o grande, há o pequeno; quando há o pequeno, há o grande. Você não vê dessa forma. Você vê apenas um lado e acha que ele durará para sempre. Há dois lados para tudo; você precisa ver os dois lados. Assim, quando a felicidade surgir, você não se perderá; quando o sofrimento surgir, você não se perderá. Quando a felicidade surgir, você não deve esquecer o sofrimento, porque você sabe que os dois são interdependentes. (…) Quando você percebe as vantagens de alguma coisa, você precisa perceber também as desvantagens e vice-versa. Quando você sentir ódio e aversão, você deve contemplar o amor e a compressão. Dessa forma, você se torna mais equilibrado e a sua mente se acalma.

Ajahn Chah

Foto: Daniel Seßler

Stephen Batchelor: cultivar a dúvida

Fazer uma pergunta quer dizer que você não sabe alguma coisa. Perguntar “quem é o abade?” significa que você não sabe quem o abade é. Perguntar “o que é isto?” significa que você não sabe o que isto é. Cultivar a dúvida, então, é valorizar o desconhecimento. Dizer “eu não sei” não é uma admissão de fraqueza ou ignorância, mas um ato de franqueza: uma aceitação honesta das limitações da condição humana quando confrontada com “a grande questão da vida e da morte”. Este profundo agnosticismo é mais do que a recusa do agnosticismo tradicional em se posicionar quanto à existência de Deus ou se a mente sobrevive à morte do corpo. É a disposição de aceitar o espanto fundamental de uma criatura finita e falível como a base para levar uma vida que não mais se apega ao consolo superficial da certeza.

Stephen Batchelor, em Confession of a Buddhist Atheist

Foto: Kishan Upadhyay

Carl Jung: a relação com o infinito

Para o homem a questão decisiva é esta: você se refere ou não ao infinito? Tal é o critério de sua vida. Se sei que o ilimitado é essencial então não me deixo prender a futilidades e a coisas que não são fundamentais. Se o ignoro, insisto que o mundo reconheça em mim certo valor, por esta ou aquela qualidade que considero propriedade pessoal: “meus dons” ou “minha beleza” talvez. Quanto mais o homem acentua uma falsa posse, menos pode sentir o essencial e tanto mais insatisfatória lhe parecerá a vida. Sente-se limitado porque suas intenções são cerceadas e disso resulta inveja e ciúme. Se compreendermos e sentirmos que já nesta vida estamos relacionados com o infinito, os desejos e atitudes se modificam. Finalmente, só valemos pelo essencial e se não acedemos a ele a vida foi desperdiçada. Em nossas relações com os outros é também decisivo saber se o infinito se exprime ou não.

Mas só alcanço o sentimento do ilimitado se me limito ao extremo. A maior limitação do homem é o Si-Mesmo; ele se manifesta na constatação vivida: “sou apenas isso!” Somente a consciência de minha estreita limitação no meu Si-Mesmo me vincula ao ilimitado do inconsciente. É quando me torno consciente disso que me sinto ao mesmo tempo limitado e eterno. Tomando consciência do que minha combinação pessoal comporta de unicidade, isto é, em definitivo, de limitação, abre-se para mim a possibilidade de conscientizar também o infinito. Mas somente desta maneira. Numa época exclusivamente orientada para o alargamento do espaço vital, assim como para o crescimento a todo custo do saber racional, a suprema exigência é ter consciência de sua unicidade e limitação. Ora, unicidade e limitação são sinônimos. Sem tal consciência não pode haver percepção do ilimitado – e, portanto, nenhuma tomada de consciência do infinito – mas simplesmente uma identificação totalmente ilusória com o ilimitado, que se manifesta na embriaguez dos grandes números e na reivindicação sem limites dos poderes políticos.

Nossa época colocou a tônica no homem daqui, suscitando assim uma impregnação demoníaca do homem e de todo seu mundo. A aparição dos ditadores e de toda a miséria que eles trouxeram provém de que os homens foram despojados de todo o sentido do além, pela visão curta de seres que se acreditavam muito inteligentes. Assim o homem tornou-se presa do inconsciente. Sua maior tarefa, porém, deveria ser tomar consciência daquilo que, provido do inconsciente, urge e se impõe a ele, em vez de ficar inconsciente ou de com ele se identificar. Porque nos dois casos ele é infiel à sua vocação, que é criar consciência. À medida que somos capazes de discernir, o único sentido da existência é acendermos a luz nas trevas do ser puro e simples. Pode-se mesmo supor que da mesma forma que o inconsciente age sobre nós, o aumento de nossa consciência tem, por sua vez, uma ação de ricochete sobre o inconsciente.

Carl Jung em Memórias, sonhos, reflexões

Foto: Mick Haupt

Jiddu Krishnamurti: relação verdadeira

Duas pessoas que vivem juntas há muito tempo têm uma imagem uma da outra que as impede de realmente estar no relacionamento. Se entendermos o relacionamento, podemos co-operar, mas co-operação não pode existir através de imagens, símbolos e conceitos ideológicos. Apenas quando entendemos a relação verdadeira entre cada um existe a possibilidade de amor, e o amor é negado quando se tem imagens.

Jiddu Krishnamurt, em Liberte-se do Passado

Foto: Charlie Foster