Carl Jung: a relação com o infinito

Para o homem a questão decisiva é esta: você se refere ou não ao infinito? Tal é o critério de sua vida. Se sei que o ilimitado é essencial então não me deixo prender a futilidades e a coisas que não são fundamentais. Se o ignoro, insisto que o mundo reconheça em mim certo valor, por esta ou aquela qualidade que considero propriedade pessoal: “meus dons” ou “minha beleza” talvez. Quanto mais o homem acentua uma falsa posse, menos pode sentir o essencial e tanto mais insatisfatória lhe parecerá a vida. Sente-se limitado porque suas intenções são cerceadas e disso resulta inveja e ciúme. Se compreendermos e sentirmos que já nesta vida estamos relacionados com o infinito, os desejos e atitudes se modificam. Finalmente, só valemos pelo essencial e se não acedemos a ele a vida foi desperdiçada. Em nossas relações com os outros é também decisivo saber se o infinito se exprime ou não.

Mas só alcanço o sentimento do ilimitado se me limito ao extremo. A maior limitação do homem é o Si-Mesmo; ele se manifesta na constatação vivida: “sou apenas isso!” Somente a consciência de minha estreita limitação no meu Si-Mesmo me vincula ao ilimitado do inconsciente. É quando me torno consciente disso que me sinto ao mesmo tempo limitado e eterno. Tomando consciência do que minha combinação pessoal comporta de unicidade, isto é, em definitivo, de limitação, abre-se para mim a possibilidade de conscientizar também o infinito. Mas somente desta maneira. Numa época exclusivamente orientada para o alargamento do espaço vital, assim como para o crescimento a todo custo do saber racional, a suprema exigência é ter consciência de sua unicidade e limitação. Ora, unicidade e limitação são sinônimos. Sem tal consciência não pode haver percepção do ilimitado – e, portanto, nenhuma tomada de consciência do infinito – mas simplesmente uma identificação totalmente ilusória com o ilimitado, que se manifesta na embriaguez dos grandes números e na reivindicação sem limites dos poderes políticos.

Nossa época colocou a tônica no homem daqui, suscitando assim uma impregnação demoníaca do homem e de todo seu mundo. A aparição dos ditadores e de toda a miséria que eles trouxeram provém de que os homens foram despojados de todo o sentido do além, pela visão curta de seres que se acreditavam muito inteligentes. Assim o homem tornou-se presa do inconsciente. Sua maior tarefa, porém, deveria ser tomar consciência daquilo que, provido do inconsciente, urge e se impõe a ele, em vez de ficar inconsciente ou de com ele se identificar. Porque nos dois casos ele é infiel à sua vocação, que é criar consciência. À medida que somos capazes de discernir, o único sentido da existência é acendermos a luz nas trevas do ser puro e simples. Pode-se mesmo supor que da mesma forma que o inconsciente age sobre nós, o aumento de nossa consciência tem, por sua vez, uma ação de ricochete sobre o inconsciente.

Carl Jung em Memórias, sonhos, reflexões

Foto: Mick Haupt

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