Ajahn Chah: ver os dois lados

Quando você experimenta a felicidade, você acha que só haverá felicidade. Sempre que você sofre, você acha que sempre sofrerá. Você não percebe que sempre que há o grande, há o pequeno; quando há o pequeno, há o grande. Você não vê dessa forma. Você vê apenas um lado e acha que ele durará para sempre. Há dois lados para tudo; você precisa ver os dois lados. Assim, quando a felicidade surgir, você não se perderá; quando o sofrimento surgir, você não se perderá. Quando a felicidade surgir, você não deve esquecer o sofrimento, porque você sabe que os dois são interdependentes. (…) Quando você percebe as vantagens de alguma coisa, você precisa perceber também as desvantagens e vice-versa. Quando você sentir ódio e aversão, você deve contemplar o amor e a compressão. Dessa forma, você se torna mais equilibrado e a sua mente se acalma.

Ajahn Chah

Foto: Daniel Seßler

Stephen Batchelor: cultivar a dúvida

Fazer uma pergunta quer dizer que você não sabe alguma coisa. Perguntar “quem é o abade?” significa que você não sabe quem o abade é. Perguntar “o que é isto?” significa que você não sabe o que isto é. Cultivar a dúvida, então, é valorizar o desconhecimento. Dizer “eu não sei” não é uma admissão de fraqueza ou ignorância, mas um ato de franqueza: uma aceitação honesta das limitações da condição humana quando confrontada com “a grande questão da vida e da morte”. Este profundo agnosticismo é mais do que a recusa do agnosticismo tradicional em se posicionar quanto à existência de Deus ou se a mente sobrevive à morte do corpo. É a disposição de aceitar o espanto fundamental de uma criatura finita e falível como a base para levar uma vida que não mais se apega ao consolo superficial da certeza.

Stephen Batchelor, em Confession of a Buddhist Atheist

Foto: Kishan Upadhyay

Ajahn Chah: fazer integralmente

Tudo que você faz precisa ser feito com clareza e atenção. Quando você vê as coisas com clareza, não há necessidade de se forçar a nada. Você tem dificuldades e se sente sobrecarregado porque não percebe! A paz vem de fazer as coisas de forma integral, com todo seu corpo e mente. Aquilo que é deixado por fazer traz um sentimento de descontentamento. Essas coisas fazem com que você se preocupe onde quer que vá. Você quer resolver tudo, mas é impossível resolver tudo. Veja o caso desses negociantes que vêm me ver regularmente. Eles dizem, “Oh, assim que eu pagar todas as minhas dívidas e estiver com minhas propriedades em ordem, virei para me tornar um monge”. Eles falam assim, mas de fato conseguirão acabar tudo e deixar tudo em ordem? Não há fim para isso. Eles pagarão suas dívidas com outro empréstimo, e quando pagarem este começarão tudo de novo. Um negociante acha que quando se libertar das dívidas será feliz, mas ele nunca acabará de pagá-las. Essa é a forma como as coisas mundanas nos enganam — ficamos dando voltas sem enxergar o que de fato causa nossas dificuldades.

Ajahn Chah

Foto: Nate Isaac

Bhikkhu Bodhi: libertar-se das amarras do desejo

Uma pessoa pode entender a necessidade da renúncia, pode querer deixar o apego para trás, mas na hora h a mente retrocede e continua a se mover em função dos seus desejos. O problema, então, é como se libertar das amarras do desejo. O Buda não oferece, como solução, o método da repressão — a tentativa de afastar o desejo com uma mente cheia de medo e repugnância. Essa abordagem não resolve o problema, apenas o empurra para baixo da superfície, onde ele continua a existir. A ferramenta que o Buda sugere para livrar a mente do apego é a compreensão. A renúncia verdadeira não se dá por nos compelirmos a abandonar as coisas que no fundo ainda desejamos, mas por mudar a perspectiva sobre elas, de forma que elas não nos prendam mais. Quando entendemos a natureza do desejo, quando a investigamos de perto com atenção, o desejo desaparece sozinho, sem a necessidade de esforço.

Bhikkhu Bodhi

Foto: Olivier Graziano

Ajahn Sumedho: anatta

O nascimento significa envelhecimento, doença e morte, mas isso tem a ver com o seu corpo, que não é você. O seu corpo humano não é realmente seu. Não importa qual seja a sua aparência particular, seja você saudável ou enfermo, seja você bonito ou não, seja você negro ou branco, ou o que for. Tudo é não-self. É a isso que chamamos de anatta, que os corpos humanos pertencem à natureza, que eles seguem as leis da natureza: nascem, crescem, envelhecem e morrem.

Ajahn Sumedho

Foto: Chris Jarvis

Ajahn Sumedho: tédio

Nós nunca realmente aceitamos o tédio como um estado consciente. Assim que ele vem à mente, começamos a procurar algo interessante ou prazeroso. Mas, na meditação, permitimos que o tédio se instale. Permitimos a nós mesmos estar total e conscientemente entediados, totalmente deprimidos, de saco cheio, enciumados, irritados, enojados. Começamos a aceitar na consciência todas as experiências desagradáveis da vida, que antes reprimíamos, nunca de fato olhávamos, nunca aceitávamos — essas experiências não são vistas mais como problemas, mas de forma compassiva. A partir da bondade e da sabedoria, permitimos que as coisas tomem seu curso natural até a cessação, em vez de mantê-las girando nos antigos ciclos do hábito. Se não conseguimos deixar com que as coisas tomem seu curso natural, então estamos o tempo todo controlando, sempre pegos em algum hábito mental inconveniente. Quando estamos entediados e deprimidos, somos incapazes de apreciar a beleza das coisas, pois não conseguimos enxergá-las tais quais elas realmente são.

Ajahn Sumedho, em Now Is the Knowing

Foto: Nguyen Thu Hoai

Heródoto Barbeiro: quem dá é que deve ficar grato

O mestre Seistsu precisava de acomodações maio­res, uma vez que o prédio no qual ensinava estava su­perlotado. Umezu, um comerciante, decidiu doar 500 pe­ças de ouro para a construção de um novo edifício. Umezu levou o dinheiro ao instrutor e Seistsu lhe disse: “Está bem, eu o aceito”. Umezu deu-lhe o saco de ouro, mas ficou aborrecido com a atitude do Instrutor, pois dera uma quantia alta. Uma pessoa poderia viver o ano inteiro com três pe­ças de ouro e o Instrutor nem sequer lhe agradecera. “Neste saco há 500 peças de ouro”, insinuou Umezu. “Você já disse isso antes”, disse Seistsu. “Até mesmo para mim, que sou um rico comerciante, 500 peças de ouro é muito dinheiro”, disse Umezu. “Você quer que eu lhe agradeça por isso?”, disse Seistsu. “Deveria”, respondeu Umezu. “Por que deveria?”, perguntou Seistsu. “Quem dá é que deve ficar grato.”

Heródoto Barbeiro, em Buda: O mito e a realidade

Foto: Sharon McCutcheon

Heródoto Barbeiro: aprender sobre si

O mestre Doguem dizia que aprender o caminho de Buda é aprender sobre si. Aprender sobre si mesmo é esquecer de si. Esquecer-se de si é estar iluminado por todas as coisas do mundo. Estar iluminado por todas as coisas do mundo é prescindir do corpo e da mente próprios. Para tentar pôr em prática o ensinamento de Doguem, deve-se preservar o silêncio. A fala do mestre é um encadeamento lógico e seguir adiante trará o entendimento de que a existência humana não passa de miséria. Isso reforça a ideia de que a vida não pode ser modificada apenas ao sabor de nossa vontade. Desrespeitar essa regra proporciona um descompasso entre o que desejamos e o que vivemos de fato; ou melhor, geramos o sofrimento.

Heródoto Barbeiro, em Buda: O Mito e a Realidade

Foto: Zheka Kapusta

Peter D. Santina: a lembrança da morte

É dito que a lembrança da morte é, em especial, uma amiga e mestra para aquele que quer praticar o Darma. Lembrar da morte age como um desencorajador para o apego e a má-vontade excessivos. Quantas disputas, discordâncias fúteis, grandes ambições e inimizades não se tornam insignificantes quando se reconhece a inevitabilidade da morte? Através dos séculos, professores budistas têm encorajado os praticantes sinceros do Darma a lembrarem-se da morte, a lembrarem-se da impermanência desta personalidade. Há alguns anos, eu tive um amigo que foi para a Índia para estudar meditação. Ele se aproximou de um mestre budista muito renomado e sábio e pediu algumas instruções sobre meditação. O mestre estava relutante em orientá-lo porque não estava confiante da sua sinceridade. Meu amigo insistiu várias vezes. Finalmente, o mestre lhe disse para retornar no dia seguinte. Cheio de expectativa, meu amigo foi vê-lo conforme combinado. O mestre lhe disse: “Você vai morrer; medite sobre isso.”

Peter D. Santina

Foto: Rubén Bagüés

Stephen Batchelor: escondendo-se no mundo

O dilema do príncipe Sidarta nos encara ainda hoje. Nós também nos fechamos nos ‘palácios’ daquilo que é familiar e seguro. Nós também sentimos que a vida é mais do que satisfazer desejos e afastar medos. Nós também sentimos mais angústia quando quebramos nossa rotina habitual e nos percebemos pairando entre o nascimento e a morte – nosso nascimento e nossa morte. Descobrimos que fomos jogados, aparentemente sem escolha, num mundo que não foi feito por nós. A saída dolorosa do útero da mãe é piedosamente esquecida. Mas, ao adquirir consciência, nos damos conta de que a única certeza na vida é que ela terminará. Não gostamos da ideia; tentamos esquecer isso também. Colaboramos com o esquecimento uns dos outros.

Os pais buscam preparar os seus filhos para a vida. As instituições sociais e políticas existem para beneficiar os vivos, não os mortos. As religiões oferecem amplamente um consolo: talvez exista uma chance de que não vamos de fato morrer. De uma forma ou de outra, atuamos para evitar as questões que a existência levanta, considerando nascimento e morte como eventos físicos no tempo e no espaço: a inspiração da primeira lufada de ar e a expiração da última. Eles se tornam fatos isolados, problemáticos mas administráveis quando mantidos à distância do aqui e do agora, onde estamos seguros tratando de passar por mais um dia. A vida se torna, então, um exercício de lidar com o específico.

Buscamos organizar os detalhes do nosso mundo de uma forma que nos sintamos seguros: cercados daquilo que gostamos, protegidos daquilo de que não gostamos. Uma vez que nossa existência material esteja mais ou menos em ordem, podemos voltar nossa atenção ao manejo psíquico das nossas neuroses. Se isso falhar, as maiores ansiedades podem ser mantidas afastadas por um uso criterioso de medicamentos. Essa abordagem funciona bem até que aquilo que não é administrável surja novamente na forma de doença, envelhecimento, culpa, dor, luto, desespero. Não importa quão bem manejemos nossas vidas, quão convincente é a imagem de bem estar que projetamos, nós continuamos a nos envolver com aquilo que odiamos e a perder aquilo que amamos.

Continuamos a não conseguir aquilo que queremos e a não evitar o que não queremos. É claro, experimentamos alegria, sucesso, amor, êxtase. Mas no fim das contas nos vemos mais uma vez inclinados à angústia. Podemos saber disso, mas de fato compreendemos? Percebemos isso, até nos espantamos, mas o hábito nos impele a esquecer. Escondemos isso de nós mesmos e corremos de volta para o mundo que nos promete algo inatingível. Pois, se de fato conseguíssemos compreender, mesmo por um instante, isso poderia mudar tudo.

Stephen Batchelor, em Buddhism without Beliefs (p.22-23)

Foto: Raimond Klavins