O Buda não sugere que todos deixem suas vidas domésticas para tornarem-se monges ou pede a seus seguidores que descartem todos os prazeres sensoriais de imediato. O grau em que uma pessoa renuncia depende da sua disposição e situação. Mas o que permanece como um princípio guia é: atingir a libertação requer a erradicação completa do apego e o progresso ao longo do caminho é acelerado na medida em que se supera o apego.
O Buda disse que quando experimentamos visões, sons, sabores, odores, sensações corporais ou estados mentais, devemos largá-los. Quando o ouvido ouve um som, deixe-o ir. Quando o nariz sente um odor, deixe-o ir… Deixe-o no nariz! Quando uma sensação corporal surge, abandone o gosto ou desgosto que se segue, deixe-os retornar para onde vieram. O mesmo para estados mentais. Todas essas coisas, deixe-as ir embora. Isso é sabedoria. Seja felicidade ou infelicidade, tudo é o mesmo. Isso se chama meditação.
A visão errada é que os sankharas* somos nós, nós somos os sankharas, ou que a felicidade e a infelicidade somos nós mesmos, nós somos felicidade e infelicidade. Ver as coisas dessa forma não é ter conhecimento completo e claro da verdadeira natureza das coisas. A verdade é que não podemos forçar todas essas coisas a seguir os nossos desejos; elas seguem o caminho da natureza. (…) É o que acontece com os sankharas. Nós dizemos que eles os perturbam, como quando sentamos em meditação e ouvimos um som. Pensamos: “oh, aquele som está me perturbando”. Se entendemos que o som nos perturba, então sofreremos de acordo com essa percepção. Mas, se investigarmos um pouco mais profundamente, veremos que somos nós que perturbamos o som! O som é simplesmente som. Se entendemos isso então se torna simples e podemos deixá-lo em paz. Vemos que o som é uma coisa, nós somos outra. Alguém que acha que o som vem para perturbá-lo é alguém que não vê a si mesmo. Ele realmente não vê! Uma vez que você se veja, você estará calmo. O som é apenas som, por que você deveria agarrá-lo? Você percebe que na verdade foi você que perturbou o som.
*palavra originada do Pali que se refere aos fenômenos condicionados
Ajahn Chah, numa assembleia de monges e leigos em 1970
Um homem ferido por uma flecha deseja saber quem atirou a flecha, de que direção ela veio, se a flecha é feita de osso ou metal, se a haste é desse ou daquele tipo de madeira antes de remover a flecha do corpo. Este homem se assemelha a aqueles que querem saber a origem do universo, se o mundo é eterno ou não, finito ou não antes de se associar ou praticar uma religião. Da mesma forma que o homem na parábola morrerá antes de ter respondidas suas questões sobre a origem e natureza da flecha, estas pessoas morrerão antes de ter as respostas para essas questões irrelevantes.
Não faça comparações. Não discrimine. Abandone suas opiniões, observe suas opiniões e observe a si mesmo. Este é o nosso darma. Você não pode fazer com que todo mundo aja de acordo com o que você espera ou que seja como você. Essa expectativa só lhe fará sofrer. É um erro comum cometido pelos meditantes, mas observar os outros não traz sabedoria. Apenas examine a si mesmo e aos seus sentimentos. Desta forma você chegará à compreensão.
Nossa mente está sempre mudando. Ela não é um self ou uma substância. Não é, de fato “eu”, não há, de fato, “eles”, embora se possa pensar assim. Talvez a mente pense em se matar. Talvez pense em felicidade ou em sofrimento – todos os tipos de coisas! Ela é instável. Se não tivermos uma sabedoria sólida e formos enganados pela nossa mente, ela nos mentirá continuamente. E alternadamente sofreremos e ficaremos felizes. A mente é incerta. Este corpo é incerto. Juntos, são impermanentes. Juntos, são uma fonte de sofrimento. Juntos, são desprovidos de um self. Estes, o Buda apontou, não são um ser, nem uma pessoa, nem um self, nem uma alma, nem nós, nem eles. São apenas elementos. Quando a mente vê isso, ela se livrará do apego que sustenta que “eu” sou belo, “eu” sou bom, “eu” estou sofrendo, “eu” tenho, “eu” isso e “eu” aquilo. Você experimentará um estado de unidade, pois verá que toda a humanidade é basicamente a mesma. Não há “eu”, há apenas elementos.
Um mundo que eternamente se esvai nunca ficará fixo em um lugar por tempo suficiente para satisfazer os desejos de uma pessoa ou sociedade por estabilidade ou bem estar permanentes. Ainda assim, enxergamos inadvertidamente este mundo como capaz de prover tal felicidade.
Se o nosso enfoque básico é o de que o sofrimento é negativo, precisa ser evitado a todo custo e, em certo sentido, é um sinal de fracasso, essa postura acrescentará um nítido componente psicológico de ansiedade e intolerância quando enfrentarmos circunstâncias difíceis, uma sensação de estar arrasado. Por outro lado, se nosso enfoque básico aceitar que o sofrimento é uma parte natural da existência, isso indubitavelmente nos tornará mais tolerantes diante das adversidades da vida.
Seguindo os ensinamentos Vajrayana, não abandonamos nem rejeitamos nada; em vez disso, utilizamos o que quer que apareça. Olhamos nossas emoções negativas e as aceitamos pelo que são. Então relaxamos nesse estado de aceitação. Usando a própria aflição, ela é transformada e transmutada em algo positivo, em sua verdadeira face. Quando, por exemplo, surge raiva ou desejo intensos, um praticante Vajrayana não tem medo. No lugar disso, ele ou ela seguiriam as instruções que dizem o seguinte: tenha a coragem de se expor às suas emoções. Não rejeite nem suprima, mas também não as siga. Apenas olhe para sua emoção, olho no olho, e tente relaxar dentro da própria emoção. Não há confronto envolvido. Você não faz nada. Permanecendo desapegado, você nem é carregado pelo emoção nem a rejeita como algo negativo. Então, você pode olhar para suas aflições quase casualmente e até se divertir com isso. Quando se vai nosso hábito de magnificar nossos sentimentos e a fascinação resultante disso, não haverá nenhuma negatividade e nenhum combustível. Podemos relaxar dentro disso. O que estamos tentando fazer, portanto, é lidar de modo hábil e sutil com nossas emoções. Isso em grande parte equivale à habilidade de exercer a disciplina.
Ringu Tulku Rinpoche Daring Steps: Traversing the Path of the Buddha