O balbuciar da mente

A mente, o ego, nosso eu verbal, ou como quer que se chame esse fluxo de pensamentos que julga e avalia, ao se deparar com o comportamento autônomo do organismo, se choca. Além do julgamento, vem a perplexidade ao perceber que o comportamento não está sob seu controle, não segue as suas diretrizes.

Sendo útil, mas limitada e pequena, vendo apenas uma fração do que pode ser visto, a mente não pode compreender que o todo, no qual o comportamento do seu organismo está inserido, funciona harmonicamente, exatamente como deve funcionar. Os seus julgamentos e tentativas de controle fazem parte desse movimento harmônico e não poderiam ser de outra forma. Mas o seu conteúdo é apenas um balbuciar sem sentido.

Foto: Jean Carlo Emer

William Martin: faça o ordinário se tornar vivo

Não peça para seus filhos se esforçarem para ter vidas extraordinárias.

Esse esforço pode parecer admirável, mas é uma forma de tolice.

Em vez disso, ajude-0s a encontrar a maravilha e o encantamento de uma vida ordinária.

Mostre a eles a alegria de saborear tomates, maçãs e peras.

Mostre a eles como chorar quando animais e pessoas morrem.

Mostre a eles o prazer infinito no toque de uma mão.

E faça o ordinário se tornar vivo para eles. O extraordinário vai cuidar de si mesmo.

William Martin em The Parent’s Tao Te Ching

Foto: Craig Strahorn

Peter Brown: situação indescritível

Nossa verdadeira situação é indescritível, mesmo SENDO ela e nada mais. Essa indescritibilidade é um dos fatos que perpetuam sua obscuridade para as pessoas. Se fosse prontamente descritível, então aqueles que a entender poderiam apenas descrevê-la para quem não entende, removendo a sua confusão. Mas não é o caso.

{A razão pela qual ela é indescritível se deve à sua natureza. Nossa situação verdadeira é infinita, aberta, inerentemente subjetiva (em que não há condições objetivas fixas e estáveis que possam ser delineadas), indefinível em termos racionais e inalcançáveis como pontos de referência, condições ou objetos específicos, dos quais se poder derivar alguma orientação. Com esse fato em vista, como tentar comunicá-la usando palavras finitas para aqueles que estão confusos sobre sua verdadeira natureza? A descrição aparenta ser tão confusa como nossa incompreensão do que é visto, talvez até MAIS.}

E esse é o xis da questão; é exatamente PORQUE a natureza verdadeira da nossa situação é tão indefinível que somos motivados a fabricar modelos e descrições simplificados, compreensíveis, estáveis, finitos e racionais de nós mesmos e do mundo, para nos dar um senso (ainda que falso) de segurança no meio do aparente caos. Então, essas crenças fabricadas sobre a nossa situação se tornam exatamente aquilo que mais nos impede de enxergar o verdadeiro estado de coisas como ele é.

Peter Brown em Dirty Enlightenment

Foto: Johannes Plenio

Peter Brown: não há caminho

Como a consciência pode dar o salto não-salto da confusão para a visão esclarecida? por si mesma
Felizmente, ela faz isso por si só, motivada pela sua natureza inerente. Na verdade, até que a nossa consciência motive internamente esse salto para ver, não há absolutamente NADA que “nós” possamos FAZER para que isso aconteça. Ponto. Então, NÃO HÁ CAMINHO.

Peter Brown em Dirty Elightenment

Foto: Vincent van Zalinge

Joan Tollifson: não há escolha

Até mesmo a ação mais aparentemente consciente, voluntária, intencional, bem pensada, aparentemente livremente escolhida e iniciada pelo eu, quando começamos a olhar de perto para tudo que estava envolvido para fazê-la acontecer, acaba sendo o resultado de causas e condições infinitas, de uma folha caindo trinta anos atrás em New Jersey até o Big Bang. Quando prestamos uma cuidadosa atenção a cada ação conforme ela se desenvolve, não conseguimos encontrar um “eu” separado iniciando-a ou a levando a cabo em nenhum dos seus estágios. Ninguém “escolhe” ser um serial killer ou ter transtorno de personalidade narcisista. O Buda não teve escolha sobre ser o Buda, assim como Hitler não teve escolha sobre ser Hitler. O viciado em drogas que se recupera não tem escolha sobre se recuperar, assim como o que não se recupera não tem escolha sobre não se recuperar. Nada poderia ser diferente do que é nesse momento. É o acontecimento indivisível que inclui o Buda e Hitler, recuperar-se e não recuperar-se, tudo num evento inseparável, um oceano sem divisões.

Joan Tollifson, em Nothing to Grasp

Foto: Colton Duke

Ramesh Balsekar: os problemas humanos

Se analisarmos um problema, certamente perceberemos que ele é criado pelo pensamento. Pensar que algo é um problema cria o problema, e a base para quase todos os problemas é a relação entre “eu” e o “outro”; o problema é criado porque o “eu” pensa que o outro fez algo contra o interesse do “eu”. Em outras palavras, é um fato real da vida que quase qualquer problema é baseado no “eu” considerar o outro um rival em potencial, um inimigo em potencial. Esse é o núcleo dos problemas humanos.

A total apercepção desse fato torna claro que a única forma de lidar com problemas humanos não é achar uma solução para o problema, mas ver claramente que não há necessidade de ter nenhum problema. E a forma para que isso aconteça é aceitar o conceito claramente estabelecido pelo grande Buda: “Eventos acontecem, ações são realizadas, consequências acontecem; mas não há nenhum autor individual de nenhum feito”.

Ramesh Balsekar em A Personal Religion of Your Own

Foto: Janosch Diggelmann

Ramesh Balsekar: orgulho e culpa

Acreditando ou não que eu sou o que faz, cabe a mim aproveitar o prazer ou sofrer a dor. É a a mesma coisa para qualquer pessoa. Então, o que é a grande coisa que eu preciso aceitar sobre isso que me traz a paz de espírito?

É simples. O que acontece é que eu certamente aproveito o prazer, mas sabendo que não é minha ação, não há orgulho ou arrogância. Não é meu feito. Prazer, mas sem orgulho ou arrogância.

Da mesma forma, preciso aceitar a dor, sabendo que não é minha ação; quando eu sofro da dor, não preciso me sentir culpado. Prazer, mas não orgulho. Dor, mas não culpa.

Ramesh Balsekar em A Personal Religion of Your Own

Foto: Ivanna Vinnicsuk

Ramesh Balsekar: todas as ações são acontecimentos

É extremamente importante lembrar que o-que-somos enquanto Númeno é ser infinito e imperceptível; o-que-aparentamos-ser, como fenômenos, são objetos temporalmente finitos e separados perceptualmente. Nunca podemos esquecer, em outras palavras, e que nós, como entidades separados, somos uma ilusão, esperando absurdamente por nos transformarmos em “seres iluminados”. Como pode um fenômeno, uma mera aparência, aperfeiçoar a si mesmo?

Falando como “Eu” (subjetividade não manifesta númena), cada um pode dizer ao nosso self fenomenal, o “eu”: “Fique parado e saiba que Eu sou Deus”. É só quando o self fenomenal — “eu” — está ausente (sem nenhum pensamento, sem nenhuma conceitualização), é que o “Eu” numenal pode estar presente, pois eles não são dois.

Um objeto fenomenal baseado no self não pode encontrar o Númeno que é verdadeiro, do mesmo jeito que é impossível para a sombra encontrar sua substância. Um rio não pode encontrar o oceano; pode apenas se tornar o oceano. Da mesma forma, a ausência absoluta de todos os conceitos significa o abandono da própria busca, e isso resulta na aniquilação do buscador no existir.

Foi aí que fiquei travado por algum tempo. Então a resposta veio para mim, de novo pela graça de Deus, de que eu posso ter paz de espírito apenas, apenas se eu puder aceitar totalmente esse conceito, de que tudo que acontece no mundo é um acontecimento… de acordo com a Vontade de Deus / Lei Cósmica. Seja qual a pessoa ou organismo mente-corpo que a ação acontece… de novo está de acordo com a Lei Cósmica.

Qualquer ação acontecendo em qualquer organismo mente-corpo, como ela afeta a outros, para o bem ou para o mal, seja uma ação que machuca ou ajuda uma pessoa, não está no controle de ninguém. Está de acordo com a Vontade de Deus / Lei Cósmica e o destino da pessoa envolvida.

Em outras palavras, ninguém, nenhum ser humano, é capaz de fazer nada. Tudo acontece, de acordo com a Vontade de Deus / Lei Cósmica.

Ramesh Balsekar em A Personal Religion of Your Own

Foto: Maria Budanova

Darryl Bailey: como uma nuvem

Você não precisa aprender aprender a deixar a vida fluir; há apenas o fluir. Você não existe como algo separado disso.

Matéria parece se tornar energia; energia parece se tornar matéria; líquido parece se tornar gás; gás parece se tornar líquido; calor parece se tornar frio; frio parece se tornar calor; e por aí vai.

Mais precisamente, não há uma coisa chamada matéria se tornando outra coisa chamada energia, da mesma forma que não há uma coisa chamada primavera se tornando outra coisa chamada verão. Essas são meramente as aparências passageiras de uma não-forma pulsante e emergente.

É como uma nuvem: em um momento ela se parece como uma pessoa e, em outro, com uma casa. A nuvem está simplesmente mudando de aparência, nunca se tornando nada mais do que uma nuvem. Toda a existência é esse mesmo movimento, aparentando ser várias coisas, mas nunca sendo mais do que um acontecimento sem forma.

Darryl Bailey em Essence Revisited

Foto: Łukasz Łada

Darryl Bailey: despertar espiritual

É possível, para aqueles que se interessam, perceber que somos um movimento da existência em si mesma. O mesmo movimento que aparece como estrelas no céu noturno ou nos voos migratórios de pássaros selvagens.

Nós agora aparecemos dessa forma, mas podemos da mesma forma aparecer como uma pitada de pó ou uma gota de umidade, e nós iremos, em algum momento; somos um acontecimento sem nenhuma forma específica.

Despertar espiritual é a abertura ao que realmente é, ao seu mistério, aparecendo como isso ou aquilo, sempre se movendo, mudando, não sendo nada em particular.

Liberdade é ser essa vitalidade indefinível, sem a tensão ou o esforço de precisar ser algo a mais do que isso. Isso não encerra as dores e dificuldades da vida; simplesmente acaba com a ilusão de que qualquer parte dela esteja sendo compreendida ou direcionada.

Darryl Bailey em Essence Revisited

Foto: Patrycja Chociej