Hubert Benoit: impotência e humilhação

muro de tijolos

O problema da angústia humana está todo contido no problema da humilhação. Curar-se da angústia é livrar-se de toda possibilidade de humilhação. De onde vem essa humilhação? De me ver impotente? Não; isso não é suficiente. Ela deriva da minha vã tentativa de não perceber a minha impotência real. Não é a impotência em si que faz a humilhação, mas o impacto sofrido pela minha pretensão à onipotência quando ela entra em choque com a realidade das coisas. Eu não me sinto humilhado porque o mundo exterior me nega, mas pelo malogro do meu empenho em aniquilar essa negação. A verdadeira causa da minha angústia não está nunca no mundo exterior: ela está somente na reivindicação que lanço para fora e que se esfacela de encontro ao muro da realidade. Estou errado quando me queixo de que o muro se tenha desmoronado sobre mim e me tenha ferido; eu é que me feri esbarrando nele; foi o meu próprio movimento que provocou o meu sofrimento. Quando eu deixar de pretender, nunca mais nada me há de ferir.

(…)

Na nossa ânsia de, finalmente, escapar da angústia, nós buscamos doutrinas salvadoras, procuramos “gurus”. Mas o verdadeiro guru não está longe: está diante de nossos olhos e nos oferece constantemente o seu ensinamento: é a realidade tal como ela é, é a nossa vida cotidiana. A evidência redentora está debaixo de nossos olhos, evidência da nossa não-onipotência, evidência de que a nossa pretensão é radicalmente absurda, impossível, e, portanto, ilusória, inexistente; evidência de que não há nada a recear para esperanças que não têm nenhuma realidade; evidência de que estou e sempre estive no chão, não havendo portanto nenhuma possibilidade de uma queda, nenhum motivo para vertigens.

Hubert Benoit, em A Doutrina Suprema

D. T. Suzuki: Dharma sem forma

O Dharma não tem tamanho, nem forma, nem altitude. Para dar um exemplo: aqui está uma grande pedra no pátio que pertence à sua casa. Você se senta nela, dorme em cima dela, sem medo algum. Um belo dia, de repente, você tem a ideia de pintar nela uma figura. Você chama um artista e manda pintar ali uma figura de Buda e acha que ela é o Buda. Você não ousa mais dormir em cima dela, tem medo de profanar a imagem que a princípio não passava de uma pedra. É devido à mudança ocorrida na sua mente que você já não dorme em cima dela. E o que é também, isso que chamam de mente? É o seu próprio pincel saído da sua imaginação que transforma uma pedra numa figura de Buda. O sentimento de medo é uma criação sua. A pedra, em si mesma, é destituída de mérito e demérito.

D. T. Suzuki: A Doutrina Zen da Não-Mente

Foto: Huy Hóng Hớt

D. T. Suzuki: onde está o Tao?

Perguntou um monge a Wei-Kuan, de Hsing-shan Ssu: – Onde está o Tao?
Kuan: – Bem na nossa frente.
Monge: – Por que eu não o vejo?
Kuan: – Você não o vê por causa do seu egoísmo.
Monge: – Se eu não posso ver por causa do meu egoísmo, será que o senhor pode vê-lo?
Kuan: – Enquanto houver “eu” e “tu”, a situação se complica e não há visão do Tao.
Monge: – Quando não há nem “eu” nem “tu”, existe a visão do Tao?
Kuan: – Quando não há nem “eu” nem “tu”, quem está aqui para vê-lo? 

D. T. Suzuki: A Doutrina Zen da Não-Mente

Foto: Faye Cornish

Hubert Benoit: aspiração espiritual

O fiel desta ou daquela religião dirá que “Deus” é a autoridade que lhe impõe o dever de sua salvação. Mas quem é esse “Deus” que, ao me impor algo, é distinto de mim e tem necessidade da minha ação? Acaso não está tudo incluído em sua perfeita harmonia?  O mesmo erro pode ser encontrado em alguns homens cujo desenvolvimento intelectual seria suficiente para não lhes permitir crer num “Deus” pessoal. Embora pareçam não mais fazê-lo, se os observamos com mais atenção, vemos que eles acreditam nesse tipo de “Deus”. Imaginam o seu satori, e eles mesmos depois do satori, e eis aí o seu “Deus” pessoal, ídolo restritivo, inquietante implacável. É preciso que eles se realizem, se libertem, se atemorizem diante do pensamento de não consegui-lo, se exaltem diante desse fenômeno interior que lhes dá esperança. Há aí a “ambição espiritual” — necessariamente acompanhada da ideia absurda do “Super-homem” que se deve vir a ser, com a reivindicação desse vir-a-ser — e angústia.

Hubert Benoit: A Doutrina Suprema

Foto: Jana Shnipelson

Brad Warner: O Zen é Entediante

Se você olhar atentamente para sua vida comum e tediosa, você descobrirá algo realmente maravilhoso. As nossas vidas genéricas e sem sentido são incrivelmente alegres — incrível, espantosa, incansável e impiedosamente alegres. E você não precisa fazer coisa alguma para experimentar essa alegria. As pessoas acham que precisam de grandes experiências, experiências interessantes. É verdade que experiências gigantescas e traumáticas às vezes trazem para as pessoas, por um momento fugidio, a uma forma de de estado iluminado. Por isso essas experiências são tão desejadas. Mas seu efeito passa e você está volta a buscar a próxima excitação. Você não precisa usar drogas, explodir edifícios, ganhar as 500 milhas de Indianápolis ou andar sobre a lua. Você não precisa voar de asa-delta sobre o Himalaia, não precisa transar com sua secretária ousada e atirada ou festejar a noite toda com pessoas bonitas. Você não precisa de visões em que se funde com a totalidade do Universo. Apenas seja o que você for, esteja onde você está. Limpe o banheiro. Passeie com o cachorro. Faça seu trabalho. Essa é a coisa mais mágica que existe.

Brad Warner — Zen is boring

Foto: Towfiqu Barbhuiya