Barry Magid: guerra contra nós mesmos

Cada vez mais, vejo estudantes cujo objetivo secreto na prática é extirpar alguma parte indesejada de si mesmos. Algumas vezes é a sua raiva, outras vezes a sua sexualidade, sua vulnerabilidade emocional, seus corpos, ou às vezes suas próprias mentes, que são vistas como fonte do seu sofrimento. “Se ao menos eu pudesse, de uma vez por todas, me livrar de…” Tente preencher a lacuna você mesmo. Essa atitude frente à prática, se não questionada, leva os estudantes a uma anorexia espiritual (e às vezes, literal): a prática se torna uma forma arrogante de eliminar aspectos que detestamos em nós mesmos. Nosso ódio pela nossa mortalidade e imperfeições físicas alimenta uma guerra contra nossos corpos, em que tentamos transformá-los em máquinas invulneráveis que aguentam qualquer coisa, ou descartá-los como cascas irrelevantes que meramente abrigam um self interno, verdadeiro, idealizado. Entramos em guerra contra nossas próprias mentes, tentando bloquear as emoções ou pensamentos totalmente, como se pudéssemos descansar finalmente num vazio sem problemas. Queremos que a prática seja uma forma de lobotomia mental, removendo tudo que nos assusta ou envergonha, talvez removendo o próprio pensamento.

Barry Magid em Ending the Pursuit of Happiness

Foto: Christopher Campbell

Jiddu Krishnamurti: relacionamentos

Os relacionamentos são buscados de forma e se ter segurança, onde você, como um indivíduo, pode viver num estado de segurança, de gratificação, de ignorância — e tudo isso causa conflito, não causa? Se você não me satisfaz e eu estou buscando satisfação, naturalmente haverá conflito, pois estamos ambos buscando segurança um no outro; quando essa segurança fica incerta, você se torna ciumento, violento, possessivo e por aí vai. Então, o relacionamento invariavelmente resulta em posse e reprovação, em demandas autocentradas por segurança, conforto e gratificação, e nisso, naturalmente, não há amor. Sendo assim, o relacionamento tem muito pouco significado quando estamos apenas buscando gratificação mútua, mas se torna extraordinariamente significativo quando é uma forma de autorrevelação e autoconhecimento.

Jiddu Krishnamurti em The First and Last Freedom

Foto: Elizabeth Tsung

Jiddu Krishnamurti: a distorção da linguagem

blocos com letras

Palavras alteram o nosso pensamento para infinitos caminhos de autoilusão, e o fato de que passamos a maior parte das nossas vidas mentais em mansões cerebrais feitas de palavras significa que não temos a objetividade necessária para perceber como a linguagem traz uma terrível distorção da realidade. (…) Aqueles de nós que forem realmente sérios precisam ir além da palavra, precisam buscar essa revolução fundamental dentro de si mesmos. (…) Crenças não trazem cooperação; ao contrário, elas dividem. Vemos como um partido político é contra o outro, cada um acreditando em uma certa maneira de lidar com problemas econômicos, e assim ele estão em guerra um com o outro. Eles não estão engajados, por exemplo, em resolver o problema da forma. Eles estão preocupados com a teoria que vai resolver aquele problema.

Jiddu Krishnamurti, em The First and Last Freedom

Foto: Sven Brandsma

Bodhidharma: nada buscar

Casa em chamas

Em terceiro, nada buscar. As pessoas desse mundo vivem iludidas. Estão sempre ansiando por algo, sempre buscando algo. Porém os sábios despertam e escolhem a sabedoria em vez dos hábitos. Concentram suas mentes no sublime e deixam seus corpos mudarem com as estações. Todos os fenômenos são vazios; não contêm nada que valha a pena desejar. A calamidade sempre se alterna com a prosperidade. Habitar nos três reinos é morar numa casa em chamas. Ter um corpo é sofrer. Alguém que possui um corpo conhece a paz? Aqueles que compreendem isso desapegam-se de todas as coisas existentes e param de imaginar ou buscar algo. Os sutras dizem: “Buscar é sofrer. Nada buscar é bendição”. Quando não se busca nada, se está no Caminho.

O ensinamento zen de Bodhidharma: meditação sobre as quatro práticas

Foto: Dave Hoefler

Jiddu Krishnamurti: o desejo por segurança

Enquanto estivermos tentando atingir um resultado psicológico, enquanto quisermos nos sentir seguros, haverá uma contradição na nossa vida. Acho que a maior parte de nós não está consciente dessa contradição; ou, se estamos, não enxergamos o seu significado real. Ao contrário, a contradição nos dá um ímpeto para viver; o próprio elemento da fricção faz com que nos sintamos vivos. O esforço, a luta da contradição, nos dá um senso de vitalidade. É por isso que amamos guerras, é por isso que gostamos da batalha das frustrações. Enquanto existe o desejo de atingir um resultado, que é o desejo de estar seguro psicologicamente, haverá uma contradição; e enquanto houver essa contradição, não pode haver uma mente pacífica.

Jiddu Krishnamurti, em The First and Last Freedom

Foto: Alexander Marinescu

Jiddu Krishnamurti: sociedade baseada na inveja

A sociedade é construída de tal forma que é um processo de constante conflito, um constante vir a ser; é baseada na ganância, na inveja, inveja de seu superior. O funcionário querendo se tornar gerente, o que mostra que ele não está apenas preocupado com seu sustento, sua forma de subsistência, mas com adquirir uma posição e prestígio. Essa atitude naturalmente causa estragos na sociedade, nas relações. Se estivéssemos apenas preocupados com o nosso sustento, deveríamos encontrar as maneiras corretas de obtê-lo, maneiras que não fossem baseadas na inveja. A inveja é um dos fatores mais destrutivos de uma relação pois indica o desejo por poder, por status, o que em última instância leva à política; ambos estão intimamente ligados. O funcionário, quando busca se tornar um gerente, se torna um fator na criação de políticas de poder, que produzem guerra; então, ele tem responsabilidade direta pela guerra.

Jiddu Krishnamurti, em The First and Last Freedom

Foto: Peter Bond

Jiddu Krishnamurti: meditação é a maior arte da vida

A meditação é uma das maiores artes da vida — talvez a maior de todas, e não se pode aprendê-la de ninguém, esta é a sua beleza. Ela não possui técnica e, consequentemente, não possui autoridade. Quando você aprende sobre si, se observa, observa a maneira como anda, como come, aquilo que que diz — as fofocas, o ódio, a inveja — se você reconhece tudo isso em si mesmo, sem escolhas, isso é parte da meditação.

Jiddu Krishnamurti, em Freedom from the Known

Foto: Daria Rom

Ajahn Candasiri: identificação com o eu

É difícil apreciar totalmente a não existência de um self inerente em nenhuma condição da mente e do corpo, pois temos um hábito muito forte de nos identificar com o corpo, a mente, nossas qualidades, forças, fraquezas, nosso caráter, nossa personalidade. Então, não nos sentimos prontos a deixar de lado toda essa identificação; afinal de contas, gastamos muita energia criando e mantendo nosso “eu”. Mas o Buda nos encoraja a desafiar esse senso de identidade; esse desafio se torna mais relevante e interessante quando realmente nos damos conta do sofrimento que nos causamos através dessa identificação habitual.

Ajahn Candasiri em Simple Kindness

Foto: Rishabh Dharmani

Han Shan: sou um idiota

Eu penso em um tempo há vinte anos
Quando costumava caminhar tranquilamente para casa perto de Kuo-ching
E todas as pessoas do monastério de Kuo-ching diziam:
— Han Shan é um idiota
Eu sou realmente um idiota, reflito
Mas minhas reflexões não conseguem resolver uma questão:
Se eu mesmo não sei quem é o eu,
Como podem os outros saber quem eu sou?

Han Shan (Traduzido do chinês por D. T. Suzuki)

Foto: Ashim D’Silva

Ajahn Chah: a sabedoria do sofrimento

Dukkha, a instasitfação, é a primeira das quatro nobres verdades. A maior parte das pessoas quer se afastar dela. Não querer ter nenhum tipo de sofrimento, em absoluto. Na verdade, é este sofrimento que nos traz sabedoria; nos faz contemplar o dukkha. A satisfação (sukha) tende a nos fazer fechar os olhos e ouvidos. Ela não nos permite desenvolver a paciência. Conforto e felicidade nos tornam descuidados. Dessas duas máculas, dukkha é o mais fácil de se enxergar. Sendo assim, precisamos do sofrimento para colocar um fim ao sofrimento. Precisamos saber o que é o dukkha antes de sabermos como praticar a meditação.

Ajahn Chah

Foto: Lukasz Szmigiel