Ajahn Chah: a sabedoria do sofrimento

Dukkha, a instasitfação, é a primeira das quatro nobres verdades. A maior parte das pessoas quer se afastar dela. Não querer ter nenhum tipo de sofrimento, em absoluto. Na verdade, é este sofrimento que nos traz sabedoria; nos faz contemplar o dukkha. A satisfação (sukha) tende a nos fazer fechar os olhos e ouvidos. Ela não nos permite desenvolver a paciência. Conforto e felicidade nos tornam descuidados. Dessas duas máculas, dukkha é o mais fácil de se enxergar. Sendo assim, precisamos do sofrimento para colocar um fim ao sofrimento. Precisamos saber o que é o dukkha antes de sabermos como praticar a meditação.

Ajahn Chah

Foto: Lukasz Szmigiel

Ajahn Chah: ver os dois lados

Quando você experimenta a felicidade, você acha que só haverá felicidade. Sempre que você sofre, você acha que sempre sofrerá. Você não percebe que sempre que há o grande, há o pequeno; quando há o pequeno, há o grande. Você não vê dessa forma. Você vê apenas um lado e acha que ele durará para sempre. Há dois lados para tudo; você precisa ver os dois lados. Assim, quando a felicidade surgir, você não se perderá; quando o sofrimento surgir, você não se perderá. Quando a felicidade surgir, você não deve esquecer o sofrimento, porque você sabe que os dois são interdependentes. (…) Quando você percebe as vantagens de alguma coisa, você precisa perceber também as desvantagens e vice-versa. Quando você sentir ódio e aversão, você deve contemplar o amor e a compressão. Dessa forma, você se torna mais equilibrado e a sua mente se acalma.

Ajahn Chah

Foto: Daniel Seßler

Ajahn Chah: fazer integralmente

Tudo que você faz precisa ser feito com clareza e atenção. Quando você vê as coisas com clareza, não há necessidade de se forçar a nada. Você tem dificuldades e se sente sobrecarregado porque não percebe! A paz vem de fazer as coisas de forma integral, com todo seu corpo e mente. Aquilo que é deixado por fazer traz um sentimento de descontentamento. Essas coisas fazem com que você se preocupe onde quer que vá. Você quer resolver tudo, mas é impossível resolver tudo. Veja o caso desses negociantes que vêm me ver regularmente. Eles dizem, “Oh, assim que eu pagar todas as minhas dívidas e estiver com minhas propriedades em ordem, virei para me tornar um monge”. Eles falam assim, mas de fato conseguirão acabar tudo e deixar tudo em ordem? Não há fim para isso. Eles pagarão suas dívidas com outro empréstimo, e quando pagarem este começarão tudo de novo. Um negociante acha que quando se libertar das dívidas será feliz, mas ele nunca acabará de pagá-las. Essa é a forma como as coisas mundanas nos enganam — ficamos dando voltas sem enxergar o que de fato causa nossas dificuldades.

Ajahn Chah

Foto: Nate Isaac

Ajahn Chah: isso é meditação

O Buda disse que quando experimentamos visões, sons, sabores, odores, sensações corporais ou estados mentais, devemos largá-los. Quando o ouvido ouve um som, deixe-o ir. Quando o nariz sente um odor, deixe-o ir… Deixe-o no nariz! Quando uma sensação corporal surge, abandone o gosto ou desgosto que se segue, deixe-os retornar para onde vieram. O mesmo para estados mentais. Todas essas coisas, deixe-as ir embora. Isso é sabedoria. Seja felicidade ou infelicidade, tudo é o mesmo. Isso se chama meditação.

Ajahn Chah

Foto: Caroline

Ajahn Chah: nós somos os sankharas

pássaro cantanto

A visão errada é que os sankharas* somos nós, nós somos os sankharas, ou que a felicidade e a infelicidade somos nós mesmos, nós somos felicidade e infelicidade. Ver as coisas dessa forma não é ter conhecimento completo e claro da verdadeira natureza das coisas. A verdade é que não podemos forçar todas essas coisas a seguir os nossos desejos; elas seguem o caminho da natureza. (…) É o que acontece com os sankharas. Nós dizemos que eles os perturbam, como quando sentamos em meditação e ouvimos um som. Pensamos: “oh, aquele som está me perturbando”. Se entendemos que o som nos perturba, então sofreremos de acordo com essa percepção. Mas, se investigarmos um pouco mais profundamente, veremos que somos nós que perturbamos o som! O som é simplesmente som. Se entendemos isso então se torna simples e podemos deixá-lo em paz. Vemos que o som é uma coisa, nós somos outra. Alguém que acha que o som vem para perturbá-lo é alguém que não vê a si mesmo. Ele realmente não vê! Uma vez que você se veja, você estará calmo. O som é apenas som, por que você deveria agarrá-lo? Você percebe que na verdade foi você que perturbou o som.

*palavra originada do Pali que se refere aos fenômenos condicionados

Ajahn Chah, numa assembleia de monges e leigos em 1970

Foto: Claus H. Godbersen

Ajahn Chah: não olhe para os outros

Não faça comparações. Não discrimine. Abandone suas opiniões, observe suas opiniões e observe a si mesmo. Este é o nosso darma. Você não pode fazer com que todo mundo aja de acordo com o que você espera ou que seja como você. Essa expectativa só lhe fará sofrer. É um erro comum cometido pelos meditantes, mas observar os outros não traz sabedoria. Apenas examine a si mesmo e aos seus sentimentos. Desta forma você chegará à compreensão.

Ajahn Chah

Foto: Timon Studler

Ajahn Chah: a insubstancialidade e impermanência da mente

Nossa mente está sempre mudando. Ela não é um self ou uma substância. Não é, de fato “eu”, não há, de fato, “eles”, embora se possa pensar assim. Talvez a mente pense em se matar. Talvez pense em felicidade ou em sofrimento – todos os tipos de coisas! Ela é instável. Se não tivermos uma sabedoria sólida e formos enganados pela nossa mente, ela nos mentirá continuamente. E alternadamente sofreremos e ficaremos felizes.  A mente é incerta. Este corpo é incerto. Juntos, são impermanentes. Juntos, são uma fonte de sofrimento. Juntos, são desprovidos de um self. Estes, o Buda apontou, não são um ser, nem uma pessoa, nem um self, nem uma alma, nem nós, nem eles. São apenas elementos.  Quando a mente vê isso, ela se livrará do apego que sustenta que “eu” sou belo, “eu” sou bom, “eu” estou sofrendo, “eu” tenho, “eu” isso e “eu” aquilo. Você experimentará um estado de unidade, pois verá que toda a humanidade é basicamente a mesma. Não há “eu”, há apenas elementos.

Ajahn Chah

Foto: Piotr Skrzyński