Hubert Benoit: impotência e humilhação

muro de tijolos

O problema da angústia humana está todo contido no problema da humilhação. Curar-se da angústia é livrar-se de toda possibilidade de humilhação. De onde vem essa humilhação? De me ver impotente? Não; isso não é suficiente. Ela deriva da minha vã tentativa de não perceber a minha impotência real. Não é a impotência em si que faz a humilhação, mas o impacto sofrido pela minha pretensão à onipotência quando ela entra em choque com a realidade das coisas. Eu não me sinto humilhado porque o mundo exterior me nega, mas pelo malogro do meu empenho em aniquilar essa negação. A verdadeira causa da minha angústia não está nunca no mundo exterior: ela está somente na reivindicação que lanço para fora e que se esfacela de encontro ao muro da realidade. Estou errado quando me queixo de que o muro se tenha desmoronado sobre mim e me tenha ferido; eu é que me feri esbarrando nele; foi o meu próprio movimento que provocou o meu sofrimento. Quando eu deixar de pretender, nunca mais nada me há de ferir.

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Na nossa ânsia de, finalmente, escapar da angústia, nós buscamos doutrinas salvadoras, procuramos “gurus”. Mas o verdadeiro guru não está longe: está diante de nossos olhos e nos oferece constantemente o seu ensinamento: é a realidade tal como ela é, é a nossa vida cotidiana. A evidência redentora está debaixo de nossos olhos, evidência da nossa não-onipotência, evidência de que a nossa pretensão é radicalmente absurda, impossível, e, portanto, ilusória, inexistente; evidência de que não há nada a recear para esperanças que não têm nenhuma realidade; evidência de que estou e sempre estive no chão, não havendo portanto nenhuma possibilidade de uma queda, nenhum motivo para vertigens.

Hubert Benoit, em A Doutrina Suprema

Hubert Benoit: aspiração espiritual

O fiel desta ou daquela religião dirá que “Deus” é a autoridade que lhe impõe o dever de sua salvação. Mas quem é esse “Deus” que, ao me impor algo, é distinto de mim e tem necessidade da minha ação? Acaso não está tudo incluído em sua perfeita harmonia?  O mesmo erro pode ser encontrado em alguns homens cujo desenvolvimento intelectual seria suficiente para não lhes permitir crer num “Deus” pessoal. Embora pareçam não mais fazê-lo, se os observamos com mais atenção, vemos que eles acreditam nesse tipo de “Deus”. Imaginam o seu satori, e eles mesmos depois do satori, e eis aí o seu “Deus” pessoal, ídolo restritivo, inquietante implacável. É preciso que eles se realizem, se libertem, se atemorizem diante do pensamento de não consegui-lo, se exaltem diante desse fenômeno interior que lhes dá esperança. Há aí a “ambição espiritual” — necessariamente acompanhada da ideia absurda do “Super-homem” que se deve vir a ser, com a reivindicação desse vir-a-ser — e angústia.

Hubert Benoit: A Doutrina Suprema

Foto: Jana Shnipelson