Stephen Batchelor: dogma

O verdadeiro valor de qualquer dogma ou crença está na sua capacidade de apontar para além de si mesmo, na direção de uma realidade mais profunda e que não pode ser facilmente articulada numa fórmula simples. Assim que o seu caráter simbólico de auto-transcendência é negado, e a crença é elevada ao status de verdade final e universal em si mesma, o seu significado espiritual genuíno é perdido, e ela é reduzida a um mero “dogma”, no completo senso pejorativo da palavra.

Stephen Batchelor em Alone With Others: An Existential Approach to Buddhism 

Foto: Timothy Eberly

Stephen Batchelor: cultivar a dúvida

Fazer uma pergunta quer dizer que você não sabe alguma coisa. Perguntar “quem é o abade?” significa que você não sabe quem o abade é. Perguntar “o que é isto?” significa que você não sabe o que isto é. Cultivar a dúvida, então, é valorizar o desconhecimento. Dizer “eu não sei” não é uma admissão de fraqueza ou ignorância, mas um ato de franqueza: uma aceitação honesta das limitações da condição humana quando confrontada com “a grande questão da vida e da morte”. Este profundo agnosticismo é mais do que a recusa do agnosticismo tradicional em se posicionar quanto à existência de Deus ou se a mente sobrevive à morte do corpo. É a disposição de aceitar o espanto fundamental de uma criatura finita e falível como a base para levar uma vida que não mais se apega ao consolo superficial da certeza.

Stephen Batchelor, em Confession of a Buddhist Atheist

Foto: Kishan Upadhyay

Stephen Batchelor: escondendo-se no mundo

O dilema do príncipe Sidarta nos encara ainda hoje. Nós também nos fechamos nos ‘palácios’ daquilo que é familiar e seguro. Nós também sentimos que a vida é mais do que satisfazer desejos e afastar medos. Nós também sentimos mais angústia quando quebramos nossa rotina habitual e nos percebemos pairando entre o nascimento e a morte – nosso nascimento e nossa morte. Descobrimos que fomos jogados, aparentemente sem escolha, num mundo que não foi feito por nós. A saída dolorosa do útero da mãe é piedosamente esquecida. Mas, ao adquirir consciência, nos damos conta de que a única certeza na vida é que ela terminará. Não gostamos da ideia; tentamos esquecer isso também. Colaboramos com o esquecimento uns dos outros.

Os pais buscam preparar os seus filhos para a vida. As instituições sociais e políticas existem para beneficiar os vivos, não os mortos. As religiões oferecem amplamente um consolo: talvez exista uma chance de que não vamos de fato morrer. De uma forma ou de outra, atuamos para evitar as questões que a existência levanta, considerando nascimento e morte como eventos físicos no tempo e no espaço: a inspiração da primeira lufada de ar e a expiração da última. Eles se tornam fatos isolados, problemáticos mas administráveis quando mantidos à distância do aqui e do agora, onde estamos seguros tratando de passar por mais um dia. A vida se torna, então, um exercício de lidar com o específico.

Buscamos organizar os detalhes do nosso mundo de uma forma que nos sintamos seguros: cercados daquilo que gostamos, protegidos daquilo de que não gostamos. Uma vez que nossa existência material esteja mais ou menos em ordem, podemos voltar nossa atenção ao manejo psíquico das nossas neuroses. Se isso falhar, as maiores ansiedades podem ser mantidas afastadas por um uso criterioso de medicamentos. Essa abordagem funciona bem até que aquilo que não é administrável surja novamente na forma de doença, envelhecimento, culpa, dor, luto, desespero. Não importa quão bem manejemos nossas vidas, quão convincente é a imagem de bem estar que projetamos, nós continuamos a nos envolver com aquilo que odiamos e a perder aquilo que amamos.

Continuamos a não conseguir aquilo que queremos e a não evitar o que não queremos. É claro, experimentamos alegria, sucesso, amor, êxtase. Mas no fim das contas nos vemos mais uma vez inclinados à angústia. Podemos saber disso, mas de fato compreendemos? Percebemos isso, até nos espantamos, mas o hábito nos impele a esquecer. Escondemos isso de nós mesmos e corremos de volta para o mundo que nos promete algo inatingível. Pois, se de fato conseguíssemos compreender, mesmo por um instante, isso poderia mudar tudo.

Stephen Batchelor, em Buddhism without Beliefs (p.22-23)

Foto: Raimond Klavins

Stephen Batchelor: meditação da respiração

A meditação da respiração torna você intimamente consciente do ritmo primitivo da sua existência física. (…) Tendo encontrado uma postura estável em que suas costas estejam eretas, direcione toda a sua atenção para a sensação física da respiração conforme ela entra pelas narinas, preenche os pulmões, é pausada, contrai os pulmões, é expelida, pausada novamente e assim por diante. Não controle a respiração; apenas permaneça com uma curiosidade tranquila na consciência do corpo respirando. Se a respiração é curta e superficial, perceba-a como curta e superficial. Se é longa e profunda, perceba-a como longa e profunda. Não há um jeito certo ou errado de respirar.

Stephen Batchelor

Foto: RKTKN

Stephen Batchelor: o grande equalizador

“Se, na posse de um certo corpo”, disse o Buda, “alguém se considera superior e despreza os outros — isso se deve a nada mais do que ignorância”. Este organismo carnal, nascido do ventre de uma mãe e destinado a terminar como pó, é o grande equalizador das coisas. Disseque um cão ou um gato, um peixe ou uma ave, e sob a pele você encontra carne, sangue e ossos como os seus. (…) Quebre a matéria orgânica em proteínas e genes, e encontramos nossa herança comum com todos os seres vivos, de algas a bactérias. Analise os genes enquanto moléculas, átomos e quarks e tocamos o que compartilhamos com pérolas e cometas.

Stephen Batchelor: Living with the Devil

Foto: Aron Visuals