
O dilema do príncipe Sidarta nos encara ainda hoje. Nós também nos fechamos nos ‘palácios’ daquilo que é familiar e seguro. Nós também sentimos que a vida é mais do que satisfazer desejos e afastar medos. Nós também sentimos mais angústia quando quebramos nossa rotina habitual e nos percebemos pairando entre o nascimento e a morte – nosso nascimento e nossa morte. Descobrimos que fomos jogados, aparentemente sem escolha, num mundo que não foi feito por nós. A saída dolorosa do útero da mãe é piedosamente esquecida. Mas, ao adquirir consciência, nos damos conta de que a única certeza na vida é que ela terminará. Não gostamos da ideia; tentamos esquecer isso também. Colaboramos com o esquecimento uns dos outros.
Os pais buscam preparar os seus filhos para a vida. As instituições sociais e políticas existem para beneficiar os vivos, não os mortos. As religiões oferecem amplamente um consolo: talvez exista uma chance de que não vamos de fato morrer. De uma forma ou de outra, atuamos para evitar as questões que a existência levanta, considerando nascimento e morte como eventos físicos no tempo e no espaço: a inspiração da primeira lufada de ar e a expiração da última. Eles se tornam fatos isolados, problemáticos mas administráveis quando mantidos à distância do aqui e do agora, onde estamos seguros tratando de passar por mais um dia. A vida se torna, então, um exercício de lidar com o específico.
Buscamos organizar os detalhes do nosso mundo de uma forma que nos sintamos seguros: cercados daquilo que gostamos, protegidos daquilo de que não gostamos. Uma vez que nossa existência material esteja mais ou menos em ordem, podemos voltar nossa atenção ao manejo psíquico das nossas neuroses. Se isso falhar, as maiores ansiedades podem ser mantidas afastadas por um uso criterioso de medicamentos. Essa abordagem funciona bem até que aquilo que não é administrável surja novamente na forma de doença, envelhecimento, culpa, dor, luto, desespero. Não importa quão bem manejemos nossas vidas, quão convincente é a imagem de bem estar que projetamos, nós continuamos a nos envolver com aquilo que odiamos e a perder aquilo que amamos.
Continuamos a não conseguir aquilo que queremos e a não evitar o que não queremos. É claro, experimentamos alegria, sucesso, amor, êxtase. Mas no fim das contas nos vemos mais uma vez inclinados à angústia. Podemos saber disso, mas de fato compreendemos? Percebemos isso, até nos espantamos, mas o hábito nos impele a esquecer. Escondemos isso de nós mesmos e corremos de volta para o mundo que nos promete algo inatingível. Pois, se de fato conseguíssemos compreender, mesmo por um instante, isso poderia mudar tudo.
Stephen Batchelor, em Buddhism without Beliefs (p.22-23)
Foto: Raimond Klavins